TJ-GO gastou R$ 18 mi em dois anos com adicional de férias de 3/5 para juízes
O CNJ determinou na sexta-feira (9) a suspensão imediata do pagamento instituído pelo tribunal ainda em 2023; decisão, todavia, não fala em devolução do valor repassado indevidamente
O Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) gastou R$ 18 milhões nos últimos dois anos com o aumento de gratificação de férias a juízes e promotores, agora considerado ilegal pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Conforme mostrou o POPULAR, o CNJ determinou na última sexta-feira (9) a suspensão imediata do pagamento, mas a decisão não fala em devolução do valor repassado indevidamente.
Em 2023, por ato da direção, o TJ-GO alterou de um terço (33%) para três quintos (60%) da remuneração o adicional de férias dos magistrados. O CNJ alega que o tribunal não poderia ter feito a alteração por se tratar de regra de caráter nacional e “evidente afronta à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal”.
Segundo dados do Painel de Remuneração dos Magistrados de todo o País, divulgado pelo CNJ, desde maio de 2023, o TJ-GO pagou quase R$ 40 milhões de adicional de férias aos magistrados. Caso estivesse valendo a regra nacional de um terço, o valor repassado seria de R$ 21,6 milhões.
Os dados apontam que houve pagamentos de até R$ 52,8 mil nesta rubrica a um magistrado no ano passado. Os benefícios podem ser concedidos duas vezes ao ano, já que os magistrados têm direito a 60 dias de férias.
O CNJ começou a apurar o caso em março deste ano, após ser oficiado pelo ministro André Mendonça, do STF, que também investiga o aumento da gratificação em ação (nº 2792) protocolada em outubro de 2023 pelo advogado Wallace de Souza Oliveira, do Distrito Federal.
Em resposta ao Supremo, o conselho afirmou que ainda não havia procedimento de investigação, mas que abriria um pedido de providências por ordem do corregedor nacional de Justiça, ministro Mauro Campbell Marques. Na decisão da última sexta, Campbell Marques aponta que é “vedado ao legislador estadual suprimir ou instituir novos benefícios aos magistrados em desacordo com o disposto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman)”.
O corregedor cita decisões anteriores do plenário do CNJ e do Supremo que estabelecem que “não há qualquer possibilidade de que os Tribunais estaduais autorizem o pagamento de adicional de férias em fração superior a um terço da remuneração, porque o tema revela matéria de tratamento nacional uniforme, sendo, portanto, reservada à lei complementar federal”.
O TJ-GO passou a pagar os três quintos sob alegação de simetria com o Ministério Público de Goiás (MP-GO), que havia elevado a gratificação a procuradores e promotores de Justiça no ano anterior. O pedido havia sido protocolado pela Associação dos Magistrados do Estado de Goiás (Asmego).
O benefício ao MP-GO chegou a ser questionado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), ainda em 2022, mas o órgão arquivou o procedimento sob alegação de judicialização do caso. O TJ-GO ainda não julgou ação popular, de 2022, contra o pagamento a promotores e procuradores. A ação pede inclusive a devolução dos recursos.
Em resposta oficial ao CNJ, no dia 25 de abril, o tribunal goiano usou a mesma alegação apresentada pelo MP-GO contra a apuração no conselho, de judicialização (a ação no Supremo). Campbell Marques rebateu, alegando que o caso “se insere no âmbito da competência constitucional do CNJ para exercer o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário”. “Trata-se de medida voltada à verificação da regularidade do ato de gestão que determinou o aumento do valor da gratificação, com impacto direto sobre a folha de pagamento e o orçamento do Judiciário estadual”, diz.
Procurada pelo POPULAR, a direção do TJ-GO afirmou no sábado (10) que ainda não foi formalmente notificado, mas que “reafirma seu compromisso com o respeito às determinações dos órgãos de controle e com a observância dos princípios que regem a Administração Pública”.
A presidente da Asmego, juíza Patrícia Carrijo, disse em nota que recebe “com respeito, mas com a devida preocupação” a decisão do CNJ, alegando que o “pagamento tem amparo em leis estaduais regularmente aprovadas pela Assembleia Legislativa e sancionadas pelo Executivo, em consonância com a autonomia administrativa e financeira do Poder Judiciário estadual — autonomia essa que é cláusula pétrea da Constituição e pressuposto da independência judicial”.
A dirigente diz que a entidade “seguirá firme na defesa da magistratura goiana, adotando todas as medidas necessárias à preservação da legalidade, da dignidade da carreira e do respeito institucional”.
A nota também afirma que Resolução nº 133 do CNJ “consagra o princípio da simetria entre a magistratura e o Ministério Público”.
“Importa ainda lembrar que a matéria já se encontra judicializada, cabendo ao STF a palavra final sobre o tema. Com o devido respeito, entendemos que a decisão da Corregedoria adentra campo de competência do Supremo”, finaliza.
Os magistrados goianos têm subsídios que variam de R$ 34 mil (juiz substituto) a R$ 41,84 mil (desembargador), segundo o Portal da Transparência do TJ-GO. O Painel do CNJ aponta, no entanto, que houve 47 pagamentos em valores superiores na rubrica “subsídio” este ano, chegando a R$ 78 mil em três casos.
Os magistrados contam ainda com auxílios alimentação, creche e saúde, e gratificações por substituição, acervo e exercício cumulativo.
Conforme já mostrou o POPULAR, a folha do TJ-GO aponta que, em 2024, houve 725 ocorrências de pagamentos líquidos acima de R$ 100 mil a juízes e desembargadores. O teto salarial do funcionalismo público é a remuneração de ministros do Supremo, de R$ 44 mil, mas os benefícios de natureza indenizatória são utilizados para ultrapassar o limite.
Fonte: Jornal O Popular.