Órgãos infectados por HIV: o que se sabe e o que falta saber
Laboratório é investigado por exames que deram falso negativo para HIV em dois doadores de órgãos e levaram à infecção pelo vírus em seis pacientes transplantados.
A Polícia Civil do Rio de Janeiro iniciou nesta segunda-feira (14) uma operação que investiga o laboratório PCS Lab Saleme. A empresa é apontada como responsável pelo erro que provocou a infecção por HIV em seis pacientes após o transplante de órgãos infectados.
Os alvos dos mandados de prisão são investigados por:
- crime contra as relações de consumo;
- associação criminosa;
- falsidade ideológica;
- falsificação de documento particular
- infração sanitária.
Os advogados que representam o laboratório PCS Lab Saleme informaram que os sócios da empresa “prestarão todos os esclarecimentos à Justiça” (leia mais abaixo).
Veja abaixo perguntas e respostas sobre o caso.
Quem foi preso?
Até a última atualização desta reportagem, a Operação Verum prendeu dois dos quatro investigados no caso. Os suspeitos são:
Walter Vieira, ginecologista e sócio do laboratório PCS Lab Saleme;
Ivanilson Fernandes dos Santos, apontado como um dos responsáveis pelo laudo que atestou a segurança dos órgãos transplantados.
Quem são os donos do laboratório?
O laboratório Patologia Clínica Doutor Saleme (PCS-Saleme) tem como sócios parentes do ex-secretário estadual de Saúde Doutor Luizinho, atualmente deputado federal e líder do PP na Câmara. Os sócios parentes de Luizinho chegaram a fazer campanha para a candidatura dele para o Legislativo. São eles:
- Walter Vieira, casado com a tia do deputado;
- Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, primo de Luizinho.
- Luizinho deixou a secretaria três meses antes de o laboratório ser contratado. Em nota, o deputado disse que jamais participou da contratação de qualquer laboratório e lamentou o ocorrido.
Quem assinou os testes com resultados errados?
Os exames nos órgãos do primeiro doador foram assinados por Walter Vieira, sócio do laboratório.
Os exames para o segundo foram assinados por Jacqueline Iris Bacellar de Assis. O RJ2 checou no site do Conselho Regional de Biomedicina, e o número apontado no exame é de outra profissional. Pelo nome, o Conselho informou que Jaqueline e o laboratório não têm registro no órgão.
Como o caso foi descoberto?
O caso foi descoberto em 10 de setembro, quando um paciente que fez um transplante de coração foi ao hospital com sintomas neurológicos e teve o resultado para HIV positivo – ele não tinha o vírus antes.
A partir daí, as autoridades refizeram todo o processo e chegaram aos exames feitos pelo PCS Lab Saleme com resultado falso negativo.
O doador infectado morreu em 23 de janeiro, aos 28 anos, no Hospital Municipal Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias.
Foram doados os rins, o fígado, o coração e a córnea. Todos foram testados, segundo o laboratório PCS, e deram não reagentes para HIV.
Sempre que um órgão é doado, uma amostra é guardada. A SES-RJ, então, fez uma contraprova do material e identificou o HIV.
No dia 3 de outubro, mais um transplantado também apresentou sintomas neurológicos e testou positivo para HIV. Essa pessoa também não tinha o vírus antes da cirurgia. Cruzando os dados, chegaram a outro exame errado, o de uma doadora no dia 25 de maio deste ano.
Quantos pacientes testaram positivo para HIV?
Seis pessoas foram infectadas a partir de dois doadores que tiveram exames com falsos negativos no laboratório:
- Um paciente que recebeu um coração do doador morto no Hospital Municipal Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias – foi a partir dele que se descobriu o caso;
- duas pessoas que receberam os rins deste mesmo doador;
- três pessoas que receberam dois rins e o fígado de uma mulher de 40 anos, que morreu no Hospital Municipal Albert Schweitzer, em Realengo.
Além disso:
- o paciente que recebeu a córnea do primeiro doador, que não é tão vascularizada, testou negativo;
- a paciente que recebeu o fígado do primeiro doador morreu pouco depois do transplante, mas o quadro dela já era grave, e a morte não teria relação com o HIV.
Há chance de ter mais casos?
A hipótese é investigada. A secretaria informou que todos os exames de sorologia dos doadores desse laboratório foram transferidos para o HemoRio, uma unidade de saúde estadual, que vai retestar o material armazenado de 286 doadores.
A polícia investiga ainda se o PCS Lab Saleme falsificou laudos em outros casos além dos transplantes. A unidade atendia outras 10 unidades de saúde estadual.
Transplantes são seguros?
Segundo especialistas, o transplante de órgão é seguro, e o caso de infecção por HIV é inédito no país. Só no RJ, o sistema de transplantes funciona desde 2006 e já salvou mais de 16 mil vidas, como apontou a secretária estadual de Saúde, Cláudia Mello.
Segundo médicos infectologistas ouvidos pelo g1, o risco de infecção como resultado de um transplante de órgão é baixo. Isso porque o processo de rastreamento infeccioso é extremamente criterioso no Brasil, abrangendo não só o HIV, mas também hepatites, além de doenças bacterianas e virais.
No SUS, o sistema de transplantes é um dos que funciona com excelência.
Como se deu a contratação do laboratório?
O PCS Lab Saleme foi contratado pela Secretaria de Saúde em dezembro do ano passado, em um processo de licitação via pregão eletrônico no valor de R$ 11 milhões, para fazer a sorologia de órgãos doados. A empresa já tinha outros contratos com a Fundação Saúde, órgão da SES-RJ.
O diretor-geral da Central Estadual de Transplantes, Alexandre Cauduro, escreveu em um ofício interno na quarta-feira (9) que a atual gestão da central não foi consultada ou ouvida durante todo o processo licitatório do laboratório PCS Lab Saleme, nem participou da elaboração do contrato.
O diretor ressaltou que na única oportunidade que teve de se manifestar sobre o processo licitatório, para atestar a qualificação técnica do laboratório, questionou a sua habilitação, uma vez que, segundo Alexandre Cauduro, não foram apresentados os documentos necessários para avaliação.
A Fundação Saúde, órgão ligado à Secretaria Estadual de Saúde, atestou o laboratório como habilitado para prestar serviço ao governo, de acordo com um documento de outubro do ano passado.
O Ministério Público vai apurar “possíveis irregularidades na licitação, em decorrência dos vínculos mencionados”.
O que diz o laboratório?
Em nota, o PCS Lab diz que abriu sindicância interna para apurar as responsabilidades do caso e que “trata-se de um episódio sem precedentes na história da empresa, que atua no mercado desde 1969”.
A nota diz ainda que “o PCS Lab dará suporte médico e psicológico aos pacientes infectados com HIV e seus familiares; e reitera que está à disposição das autoridades policiais, sanitárias e de classe que investigam o caso”.
A Anvisa afirmou que o PCS não tinha kits para realização dos exames de sangue nem apresentou documentos comprovando a compra dos itens, o que levantou a suspeita de que os testes podem não ter sido feitos e que os resultados tenham sido forjados.
O laboratório nega, e diz que usava os kits de acordo com orientação das autoridades de saúde.
Fonte: Portal G1.