Voto de Zanin contra acordo da revisão para a vida toda pode mudar desfecho do caso e prejudicar cálculo da aposentadoria
Segundo analistas, reversão do entendimento inicial do STF pode fazer com que mais de 10 mil aposentados recebam um valor menor de benefício, além de levar à uma falta de credibilidade no sistema judiciário
O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta sexta-feira, 24, a favor da anulação do acordo que autorizou a “revisão da vida toda” dos beneficiáros do Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A Suprema Corte havia reconhecido, em dezembro do ano passado, que o segurado pode optar pela regra que lhe seja mais favorável em relação ao critério de cálculo da aposentadoria. Contra esta decisão, o INSS apresentou embargos de declaração, alegando que o STF não analisou um ponto para mudar o resultado desfavorável a autarquia e pedindo que fosse limitado o alcance da decisão que assegurou aos aposentados o direito de pedir a inclusão de toda a vida contributiva no cálculo do benefício da previdência. O parecer do novo ministro da Corte tem o potencial de mudar o desfecho do caso e prejudicar a quantia que aposentados recebem da previdência, segundo especialistas consultados pelo site da Jovem Pan. Além disso, a reversão do entendimento inicial do STF pode levar à uma falta de credibilidade no sistema judiciário.
Sócio Diretor do escritório Nelson Wilians Advogados, Sérgio Vieira ressalta que a possibilidade de mudança do resultado do julgamento se deve à falta de consenso do Supremo Tribunal Federal na primeira apreciação do tema. “Nós tivemos uma votação apertada. Outros cinco ministros que ainda estão na Casa também votarão, seja ou não para anular a decisão do STJ que autorizou a revisão pelas contribuições realizadas durante a vida toda do segurado. Caso eles mantenham o voto do julgamento anterior, somado ao voto do ministro Cristiano Zanin, teríamos o placar de 6 votos contrários contra 5 votos favoráveis. Até o presente momento, a votação encontra-se empatada, com o voto dos ministros Zanin e Luís Roberto Barroso contrários a revisão pela vida toda, e Alexandre de Moraes e Rosa Weber a favor. Se o voto de Zanin se mantiver contrário, é evidente que o debate dos processos que tratam sobre o pedido de cálculo da aposentadoria por todas as contribuições da vida dos segurados ficarão prejudicados até decisão posterior”, esclarece.
Especialista em direito previdenciário e sócio da Schettini Advocacia, Danilo Schettini analisa que a revisão para a vida toda visa reparar injustiças em relação ao cálculo do benefício para aposentados do INSS. “Até a reforma da previdência, os benefícios eram calculados com base nos 80% maiores salários de contribuição a partir de julho de 1994. Então, se um trabalhador teve salários maiores antes de julho de 1994 e salários menores após julho de 1994, seu benefício foi calculado considerando apenas estas ‘menores contribuições’. Embora isoladamente o voto de Zanin não altere a decisão final, se ele for acompanhado pela maioria dos ministros do STF, a decisão que houve ano passado será anulada e o processo retornará para o STJ, para nova votação naquele órgão jurisdicional. Então, anulará não só a decisão do STF, mas também a decisão anterior do STJ”, esclarece.
Descrença no sistema judiciário e impacto para aposentados
Schettini observa que, caso o entendimento inicial do STF seja revisto, o maior impacto seria de falta de credibilidade no sistema Judiciário nacional. “O STF se pronunciou favoravelmente após muito tempo de análise desta decisão e o povo brasileiro acreditou que, de fato, ela aconteceria. O aposentado já aguardava a aplicação da revisão da vida toda e muitos advogados tinham ela como certa. A alteração da decisão gerará um sentimento muito ruim na sociedade e um descrédito muito grande no sistema de Justiça, sobretudo pela forma como aconteceu. Ouve uma decisão ‘final’ do STF sobre o assunto, pois os embargos de declaração, que é o recurso atual, via de regra não tem o objetivo de alterar a decisão, mas apenas trazer clareza para a decisão”, explica. Ele ainda complementa que, historicamente, os beneficiários do INSS já manifestam muito descredito nestas revisões contra a autarquia. Então, se a decisão de Zanin for acompanhada pelos demais ministros, Danilo Schettini considera que será mais uma virada de mesa muito negativa do ponto de vista da percepção do povo brasileiro.
Os advogados indicam que, ainda que o STF mantenha o entendimento favorável ao método de cálculo de aposentadoria que leve em consideração todas as contribuições dos segurados, Zanin ainda concorda em amenizar os efeitos do julgamento. Com isso, o valor do benefício fica sujeito à modulação temporal, valendo somente as parcelas a partir de 13 de dezembro de 2022, quando a Corte reconheceu a constitucionalidade da medida. Alexandre de Moraes e Rosa Weber também opinaram por modular os efeitos da decisão, mas com marcos iniciais diferentes: em 1º de dezembro de 2022 e 17 de dezembro de 2019. Faltam votar os ministros André Mendonça, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Edson Fachin, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Nunes Marques. Atualmente, existem 24.663 processos sobre revisão da vida toda em tramitação, sendo que 10.768 entraram na Justiça neste ano, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). A estimativa é de que a quantidade de pessoas que se encaixem nos critérios exigidos para pedir o recálculo é inferior a 1 milhão.
Entenda o processo de revisão da vida toda
Antes da reforma da previdência, o INSS utilizava os valores de toda uma vida de contribuição pagas pelo segurado como parâmetro para o cálculo das aposentadorias. A reforma modificou este padrão, inserindo duas regras para o cálculo das aposentadorias: uma para quem começasse a trabalhar após a reforma, e outra que estabeleceu que deveria ser levado em consideração somente a média das 80% das maiores contribuições do segurado, limitados a entrada em vigor do plano real em 1º de julho de 1994. A “revisão para a vida toda” solicita o direito ao recálculo do valor da aposentadoria, para que seja levado em consideração todas as parcelas pagas desde o início da contribuição ao INSS.
O caso que chegou ao Judiciário federal contempla um aposentado que iniciou suas contribuições em 1976 e, quando começou a receber a aposentadoria em 2003, não teve o benefício calculado pelos pagamentos realizados desde 1976, mas sim, desde 1994, conforme a regra estabelecida pela Reforma da Previdência. O processo da “revisão da vida toda” chegou ao STJ, Corte que garantiu ao segurado a possibilidade de revisão do benefício, com base nas contribuições feitas sobre todo o período de contribuição, excluindo a limitação temporal da entrada em vigência do plano real. Insatisfeito, o INSS apresentou recurso extraordinário contra a decisão do STJ. O Supremo Tribunal Federal, em dezembro do ano passado, reconheceu que o segurado pode optar pela regra que lhe seja mais favorável, ou seja, o critério de cálculo que renda maior valor mensal de aposentadoria. Contra esta decisão, o INSS apresentou embargos de declaração, alegando que a Corte não analisou um ponto para mudar o resultado desfavorável a autarquia. O tema está em análise no plenário virtual e a sessão sobre o caso está marcada para durar até as 23h59 de 1º de dezembro.
Por Jovem Pan